Jornalista com mais de 20 anos de profissão e passagem por alguns dos principais jornais brasileiros – Folha, Globo, JB, Zero Hora e Correio –, sei como funcionam as grandes redações. A linha editorial de cada veículo é definida pelos donos dos veículos e seguida à risca pelos editores e colunistas. É a regra do jogo. Entra nele quem quer.
Por Olímpio Cruz Neto, em seu blog
Da janela do meu trabalho, aqui em Brasília, admito que surpreendo-me muito pouco com o comportamento da grande imprensa. Mas, quando tais surpresas revelam essa lógica estranha da inversão de papéis, é difícil acreditar. No jogo político, a imprensa agora é a principal protagonista. À oposição, resta seguir as orientações gerais de colunistas.Assistindo à palestra de Paulo Henrique Amorim, na última segunda-feira, num evento realizado pela Escola Livre de Jornalismo e Iesb, vi a reação da plateia à uma declaração do veterano jornalista, blogueiro à frente do Conversa Afiada. Provocador e sarcástico, ele bateu duro ao dizer que, no Brasil, agora “não há mais política partidária, não há mais negociação política. Hoje, a política se trava no PIG”. A sigla é o que Paulo Henrique alardeia como “Partido da Imprensa Golpista”.
Ataques
Pode parecer um exagero de retórica. Mas não é. De fato, quem orienta o carnaval da oposição não são os líderes demos e tucanos. São jornalistas. Claro, os jornalistas da grande imprensa. Quem acompanha os jornalões e os telejornais sabem do que estou falando. A virulência de alguns colunistas na hora de bater no governo Lula é sempre maior do que a medida em qualquer outro momento da história recente.
“Porrada, nos caras que não fazem nada!” A máxima daquela canção dos Titãs é empregada com um vigor messiânico. Mas, agora, não apenas contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. É contra a própria oposição. Escolhi aqui dois artigos de duas das mais importantes colunistas da imprensa nacional, Dora Kramer e Míriam Leitão, para mostrar como o protagonismo político migrou do Congresso Nacional para as redações de dois dos mais influentes jornais do país: O Globo e O Estado de S. Paulo.
O tom de indignação, a verve colérica das duas experientes jornalistas se voltaram, nas últimas semanas deste mês de outubro, exatamente a um ano das eleições presidenciais, não apenas contra o governo do PT. Também contra os líderes do PSDB e Democratas. Tome-se o artigo “Uma nação de cócoras”, de autoria de Dora Kramer, publicada no Estadão em 15 de outubro.
A colunista mostra-se irritada com a falta de firmeza dos dirigentes oposicionistas, diante das peripécias de Lula, que ousou ir até às margens do São Francisco para participar de uma “vistoria” das obras de transposição do rio.
Lições
Escreve Dora Kramer: “Objetivamente: qual a necessidade de o presidente da República passar três dias vistoriando obras do projeto de transposição das águas do Rio São Francisco em quatro estados, na companhia de uma vasta comitiva de ministros, entre eles a chefe da Casa Civil?” Ela mesma responde: “(…) como o objetivo não é verificar coisa alguma e a publicidade pura e simples, no caso, não cumpre o objetivo, o presidente Luiz Inácio da Silva ocupa três dias úteis dos raros que tem passado no país com uma turnê de acampamentos e pronunciamentos de caráter pura e explicitamente eleitoral”.
O esporro geral da jornalista é na oposição: “Mas o que espanta já não é mais o que Lula faz. O que assusta é o que deixam que ele faça. E pelas piores razões: uns por oportunismo deslavado, outros por medo de um fantasma chamado popularidade, que assombra — mas, sobretudo, enfraquece — todo o país. Fato é que os poderes, os partidos, os políticos, as instituições, as entidades organizadas, a sociedade estão todos intimidados, de cócoras ante um mito que se alimenta exatamente da covardia alheia de apontar o que está errado. Por receio de remar contra a corrente, mal percebendo que a corrente é formada justamente por força da intimidação geral, temor de ser enquadrado na categoria dos golpistas”.
O tom leninista da camarada Dora Kramer é de um chamamento geral. Como diria o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, é preciso chamar os tucanos e os demos “às falas”. E ela o faz: “O governador de Minas, e de forma mais contida o de São Paulo, José Serra, acham que fazendo vista grossa a todo e qualquer tipo de transgressão estão sendo politicamente espertos, quando apenas fogem de suas responsabilidades como homens públicos que se pretendem ‘íntegros’, conforme pregou outro dia o governador Serra. Não contestam coisa alguma, coonestam e assim vão amaciando, ‘respeitosamente’, o caminho rumo ao Palácio do Planalto”.
Desencanto
O desencanto com os próceres da oposição também atravessou os 400 quilômetros que separam São Paulo do Rio de Janeiro para ganhar um lustro mais vistoso de Míriam Leitão. A fúria foi despejada ontem pela jornalista de O Globo, que também atua na rádio CBN, na GloboNews e na TV Globo.
Em sua coluna no diário da família Marinho, na edição desta terça-feira, 27 de outubro, também ela resolveu ocupar o vácuo e assumir o papel de ideóloga. No artigo “O papel da oposição”, ela afirma que “a oposição tem medo da popularidade do presidente e acha melhor não apontar suas falhas sequenciais”.
E escreve, sem dó nem pena de tucanos e demos, para reclamar de como o anúncio do pré-sal foi montado para beneficiar a pré-candidata Dilma Rousseff e que os tucanos nada fazem: “O projeto de regulação tem uma sucessão de erros, mas lá estava Serra no lançamento, reclamando apenas dos royalties. Cabe à oposição, de qualquer partido, mostrar os equívocos do caminho escolhido que favorece uma empresa de capital aberto, tira transparência do processo de escolha de investidores e não pesa o custo ambiental da exploração”.
A irritação é grande. Há um certo desencanto. Os tucanos levaram um pito. “O presidente deu uma entrevista em que nem Cristo foi poupado. Tudo o que Serra disse foi uma ironia de pouco alcance: Quando Lula ficou três dias num carnaval fora de hora, em cima de um palanque, com dinheiro público, alegando fiscalizar uma obra, Serra falou algo sobre irrigação nas terras ribeirinhas, e há um movimento de se saber o custo da viagem”.
Parece que as duas colunistas do Estadão e Globo cansaram da falta de ânimo dos líderes da oposição para empunhar bandeiras que nem eles mesmos sabem quais são. A tática sugerida é: “Vamos lá, partam para cima e destruam”. Os governadores José Serra (SP) e Aécio Neves (MG) não estão seguindo o papel combinado. A plataforma programática, o plano estratégico de ação e as táticas a serem adotadas pelos partidos da oposição estão na mesa. É pegar ou largar. Ambas assumiram a condição de protagonistas do jogo político.
“Cérbero”
As duas colunistas estão hoje na posição do “Cérbero” da grande imprensa. Para quem conhece mitologia grega, sabe que esse era o nome do grande cão de inúmeras cabeças que vigiava o poço de entrada de Hades, o reino subterrâneo dos mortos. A função era deixar as almas entrarem naqueles domínios para jamais saírem. “Cérbero”, contudo, era implacável com os incautos, despedaçando-os em pedaços. Na Divina Comédia de Dante, o cão aparecia no Inferno dos Gulosos.
Curioso é que tanto Dora quanto Míriam, alçadas à condição de guardiãs da grande mídia, ideólogas da oposição e da grande imprensa, tiveram uma juventude de militância em agremiações comunistas. Dora, no antigo PCB. E Míriam, no PCdoB.
Isso foi no passado. É lógico que elas amadureceram e deixaram os fundamentos leninistas de lado. Contudo, a conversão aos ideais liberais não tirou delas o raciocínio político claro.
Nessa disputa política, o ativismo das duas seria mais interessante fora das colunas dos jornalões. Seria melhor tê-las no Senado Federal. Ou, quem sabe, numa chapa presidencial. As eleições de 2010 estão aí, e ainda há tempo. Chega de intermediários. Enfim, coloquemos a grande imprensa atrás de votos, disputando com Lula a preferência do eleitorado. Aos mouros da oposição, caberia bater palmas e apoiá-las.
Só há um risco: a derrota política. É bom lembrar que, na mitologia grega, Hércules apoderou-se de “Cérbero”, subjugando-o.
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